O seu Domingos voltou a morar em
Boa Ventura, depois de alguns anos morando em sua terra natal: Diamante. No
entanto, a vida por essas bandas não tem sido fácil para esse aposentado que
conta com a idade de 104 anos. Ele é casado pela segunda vez, e com esta esposa
atual tem quatro filhos. Com a primeira mulher, que faleceu há muitos anos, o
casal teve nove filhos. Ele já morou em várias propriedades rurais em Boa Ventura no passado, trabalhando sempre como agricultor nas terras dos outros.
Seu Domingos, ou seu Estevão,
como também é conhecido, está morando no conjunto Elias Gonçalo, próximo ao
campo de futebol, e para ter água em sua casa, que é alugada, conta com a ajuda
da sua segunda mulher e de vizinhos, que colocam uma mangueira na calçada para a família encher
os baldes.
Na comunidade não tem água
encanada. A água vem de um poço, que é distribuída através de uma torneira para
os moradores, e estes por sua vez colocam uma mangueira para facilitar a
chegada do liquido precioso. A luta por água potável naquele conjunto habitacional
é uma prioridade sem importância para as autoridades locais, infelizmente.
Mas essa luta de seu Domingos por
água só está começando. Ele chegou para morar no conjunto há cerca de 20 dias,
mas ele é forte, animado, e de certa forma ainda é sadio, apesar da idade
avançada. Será uma das tantas lutas que ele já enfrentou na vida de sertanejo
sofrido. Não sabe, entretanto, se conseguirá alcançar a vinda da água encanada em
definitivo para esse local onde mora.
Com as eleições chegando, ele acredita
que as promessas da água encanada vão chegar por lá, o problema é confiar nas
palavras dos políticos. “O problema é esse”, diz seu Domingos, com um riso no
canto da boca. Seu Domingos é um
verdadeiro herói desse sertão sofrido. Aposentando, mas vivendo uma vida não
muito digna, ele vai vivendo como pode. A casa com alguns netos, sem muitos
troços, humilde, alugada e sem água encanada.
Depois de contar um pouco de seu
sofrimento por falta de água na nova morada, ele ficou calado, olhou
atentamente para o sol causticante e fez um pedido: “Arrumem uma casa para eu
morar, porque eu não tenho condições de comprar uma”. Ele contou que já possuiu
uma casa própria, no entanto, um de seus filhos, há muitos anos a vendeu.
Seu Domingos é o retrato real de
que neste Brasil as coisas não vão indo tão bem, como mostram as propagandas do
Governo Federal, que pregam ter tirado milhões da situação de miséria e que o
Brasil melhorou muito nos últimos anos. Talvez para alguns, sim. Mas nem sempre é
isso que observamos na vida real.
Ele é apenas mais um entre muitos
idosos que sofrem com a falta de condições dignas de sobrevivência. No conjunto
Elias Gonçalo não é somente seu Domingos que sofre, basta olhar em volta as
casas ali existentes para constatar que falta muita coisa acontecer para que o
país seja um país de todos. Lá, falta quase tudo, até mesmo água encanada.
AGORA RELEIA A MATÉRIA EMOCIONANTE QUE O NOSSO BLOG FEZ COM SEU DOMINGOS NO ANO PASSADO:
Hoje eu tive a honra de conhecer o senhor Domingos Barros da Silva, e acreditem se quiser, ele conta com 103 anos de vida. Lá pras onze horas da manhã o encontrei sentado em um banco bem em frente lá de casa, na Rua Angélica Soares.
Chamou-me a atenção e me aproximei para conversar. Tava na cara que daquela conversa nasceria uma excelente matéria para este blog. Bastante lúcido e conversador, seu Domingos Esteves, como pediu para ser chamado, disse que estava passando por ali naquela hora porque iria fazer uma visita ao seu neto, que é casado com uma filha de Zé de Freitas, e que se sentiu um pouco cansado e resolveu sentar. Aí contou um bocado de coisa.
Nasceu no sitio Pombinho, município de Diamante, mas que morou em vários lugares, na procura de uma melhor oportunidade de vida, mesmo tendo que se virar com o oficio da roça.
Há pouco tempo atrás, seu Raimundo passou uns dias morando no sitio de Ranulfo Militão, do outro lado do rio, mas que não deu mais certo e que voltou a morar em Diamante. Aqui em Boa Ventura, disse ele, eu conheço muita gente.
Com uma memória de causar inveja a muita gente nova, ele descreve de forma lúcida muita coisa que passou na vida, principalmente de uma seca devastadora nos anos 40, acontecida aqui no sertão.
“Por volta de meio-dia, eu estava no mato seco à procura de algum bicho pra comer. Não tinha achado nada, e o pior foi quando eu voltada para casa. Encontrei um irmão meu morto, e outro já estava praticamente sem vida também, por causa da fome”, recorda ele, que continua: “ Depois que enterramos o que tinha falecido, eu coloquei o outro menino nas costas e fui procurar por comida pra salvar aquela vida”.
Informaram que lá pra bandas de Maurity, no Ceará, tinha uma parte de terra que tinha chovido e que talvez por lá ele encontrasse algum pedaço de terra para trabalhar. “Andei muito a pé, com o menino quase morto nas costas e quando por lá cheguei, me deram um pedacinho de terra e consegui escapar com meu irmão”, relembra seu Domingos.
Porém, ele contou que no caminho até Maurity, a fome era muito grande, mas que achou pelo caminho um ninho de fura barro, e tirou de lá quatro filhotes do pássaro. “ Tinha uma casa por perto, pedi sal e uma senhora negou, dizendo que sal era caro para dar, aí em outra casa arranjei. Matei os bichinhos, preparei eles, arrumei um fogo e eu dei três filhotes prontos para meu irmão comer e o outro eu comi”, contou, dizendo ainda que foi a sorte deles, pois só comeu aquilo nessa viagem que demorou horas.
“Teve outra seca que agente só escapou por causa do “muculan”, uma vargem que dá muito no mato e que agente tira para secar e depois faz o beiju”. Muitas coisas ele me contou, que caberia em um livro com muitas paginas. Contou-me que conheceu de pertinho, padre Cícero Romão Batista e frei Damião e que o homem sem Deus nao é nada.
Nunca fumou e nem bebeu, e que se alimenta bem. Acorda cedo e não fica em casa parado. Disse que trabalhou na roça até o ano passado, e que só parou porque uma queda o impede de continuar arrancando toco e limpando o mato para plantar. Até o coronel Zuza Lacerda ele disse que chegou a conhecer de perto.
E conversou muito comigo, Chico Filho, que é comerciante no ramo de antenas parabólicas e também com algumas pessoas que se aproximaram. Sempre simpático e brincalhão, ele não soltava a bengala da mão. Convidei-o para almoçar e ele não rejeitou. Comeu, e muito educado agradeceu por tudo, e se foi atrás da casa de seu neto, deixando pra nós essa história de sofrimento e luta pela vida, mas de um exemplo de ser humano que não mede esforços para viver honestamente e de bem com a consciência, por isso essa lucidez e saúde, de corpo e de alma.
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