Desde julho, uma situação inusitada ameaça os 21 produtores de frutas do Projeto Pirapora, em Minas Gerais, referência por ter sido em 1975 a primeira experiência de irrigação com as águas do São Francisco em Minas Gerais. O rio começou a baixar rapidamente. E baixou tanto que o local da captação de água foi invadido pela areia.
Desesperado, Nadson Martins, gerente do projeto, fez uma gambiarra. Arrumou uma escavadeira, rasgou o leito do rio, abriu um canal e pediu emprestadas bombas flutuantes para jogar água no encanamento do sistema de irrigação. “Sem a água do São Francisco, o projeto não existe: se não chover logo, podemos passar a chave no portão e ir embora.”
Entre os rios 100% brasileiros - que nascem e deságuam dentro das fronteiras do País -, o maior é o São Francisco. A sua bacia hidrográfica ocupa 7,5% do País. Está presente em 521 municípios, quase 10% do total nacional. No entanto, apesar do porte e da tradição de resistência às intempéries climáticas, nem ele suporta a estiagem.
A reportagem percorreu 1,7 mil km de estradas - metade delas de terra beirando o São Francisco - para ver de perto a situação do rio. O trecho escolhido foi o chamado Alto São Francisco, em Minas. Pelo caminho, encontrou plantações de café e eucalipto amarelando, gado magérrimo em busca de abrigo sob árvores sem folhas, fazendas com pivôs de irrigação desligados e a terra nua à espera da chuva para o plantio. Junto ao rio, o que mais se avista é o seu fundo, que emergiu criando ilhas, ora de pedras, ora de areia. Em outros pontos, abriram-se poças. Lá os peixes são presas fáceis para a pesca, a essa altura já considerada predatória, dada a facilidade com que cardumes inteiros são capturados.
Segundo cálculos da Emater de Montes Claros, o norte de Minas contabiliza R$ 1 bilhão de perdas com a seca nos últimos anos. Cabeças de gado, no total de um milhão, morreram ou foram vendidas a outras regiões para não morrerem de sede. Cerca de 80% das safras de arroz e feijão se perderam.
Espera. Quem mais sofre são os pequenos produtores, como Maria Rodrigues da Silva, 48 anos. Ela tem um terreno na ilha Maria Preta, em Itacarambi, já perto da Bahia. Cultiva feijão, milho, mandioca, melão, melancia e caxixe - como ela define, planta que dá um fruto “cascudo como a abóbora”. Apesar de a propriedade estar bem no meio do rio, não vai plantar. “A terra já está limpinha, mas sem a água da chuva, não nasce”, diz Maria.
Produtores que contam com uma estrutura mais sofisticada também estão preocupados. Em todo o São Francisco há nove polos de irrigação, que geram uma receita anual de quase R$ 2 bilhões. Todos têm restrição de água. Na margem oposta à de Maria está o Projeto Jaíba, um dos maiores empreendimentos irrigados da América Latina. Nos seus 25 mil hectares estão 2,1 mil produtores. O Jaíba já sofreu uma redução de 25% no fornecimento de água.
Lá Romeu Dias dos Santos, 58 anos, diz que, em último caso, seus limoeiros sobrevivem um ano sem água. “Não dão frutos, mas o pé fica”, diz, caminhando entre suas árvores ainda verdinhas. Dailton dos Santos Ferreira, gerente da Brasnica, a maior produtora de bananas do País, que abastece grandes redes como Pão de Açúcar e Walmart, não tem a mesma serenidade. “Tentamos perfurar seis poços artesianos, mas não fomos felizes: até o lençol freático caiu. Não temos mais o que fazer e se a água baixar mais, acabou.”
Afluentes. O volume de água de Pirapora a Jaíba é regulado pela vazão da represa da Hidrelétrica de Três Marias, que funciona como uma caixa d’água. Como o Estado mostrou na edição de domingo passado, o seu nível é crítico. A tendência é que a vazão seja reduzida.
Em outros tempos, o rio a partir dali era suprido por afluentes, mas até eles estão secando. No Rio das Velhas, há uma cena espantosa. Como a água está secando, uma dezena de barcos de um clube náutico está ancorada na areia. “Nem compensa tentar puxar agora porque não tem água para eles navegarem”, diz Luiz Pereira de Oliveira, 64 anos, caseiro do clube.
A seca no rio ainda complica a logística. Interrompeu o tráfego na hidrovia que seguia até a Bahia e agora paralisa balsas que interligam as margens direita e esquerda do rio.
Na sexta-feira, 10 de outubro, uma das balsas do Transporte Moura, na cidade de São Francisco, encalhou às 5h da manhã. Oito carros, uma moto e um caminhão baú passaram o dia sob o sol ardido. Detalhe: o caminhão estava vazio. Cruzava o rio para carregar 1,3 mil caixas de frutas colhidas na margem oposta. Os 25 passageiros insistiram em não abandonar os veículos. Na parte da manhã, o único resgatado foi Scooby, vira-lata que usa a balsa para a travessia. Foram necessárias 13 horas de trabalho e três escavadeiras para puxar a balsa por cabos de aço. No domingo passado, o serviço de translado foi suspenso.
Estadão
Desesperado, Nadson Martins, gerente do projeto, fez uma gambiarra. Arrumou uma escavadeira, rasgou o leito do rio, abriu um canal e pediu emprestadas bombas flutuantes para jogar água no encanamento do sistema de irrigação. “Sem a água do São Francisco, o projeto não existe: se não chover logo, podemos passar a chave no portão e ir embora.”
Entre os rios 100% brasileiros - que nascem e deságuam dentro das fronteiras do País -, o maior é o São Francisco. A sua bacia hidrográfica ocupa 7,5% do País. Está presente em 521 municípios, quase 10% do total nacional. No entanto, apesar do porte e da tradição de resistência às intempéries climáticas, nem ele suporta a estiagem.
A reportagem percorreu 1,7 mil km de estradas - metade delas de terra beirando o São Francisco - para ver de perto a situação do rio. O trecho escolhido foi o chamado Alto São Francisco, em Minas. Pelo caminho, encontrou plantações de café e eucalipto amarelando, gado magérrimo em busca de abrigo sob árvores sem folhas, fazendas com pivôs de irrigação desligados e a terra nua à espera da chuva para o plantio. Junto ao rio, o que mais se avista é o seu fundo, que emergiu criando ilhas, ora de pedras, ora de areia. Em outros pontos, abriram-se poças. Lá os peixes são presas fáceis para a pesca, a essa altura já considerada predatória, dada a facilidade com que cardumes inteiros são capturados.
Segundo cálculos da Emater de Montes Claros, o norte de Minas contabiliza R$ 1 bilhão de perdas com a seca nos últimos anos. Cabeças de gado, no total de um milhão, morreram ou foram vendidas a outras regiões para não morrerem de sede. Cerca de 80% das safras de arroz e feijão se perderam.
Espera. Quem mais sofre são os pequenos produtores, como Maria Rodrigues da Silva, 48 anos. Ela tem um terreno na ilha Maria Preta, em Itacarambi, já perto da Bahia. Cultiva feijão, milho, mandioca, melão, melancia e caxixe - como ela define, planta que dá um fruto “cascudo como a abóbora”. Apesar de a propriedade estar bem no meio do rio, não vai plantar. “A terra já está limpinha, mas sem a água da chuva, não nasce”, diz Maria.
Produtores que contam com uma estrutura mais sofisticada também estão preocupados. Em todo o São Francisco há nove polos de irrigação, que geram uma receita anual de quase R$ 2 bilhões. Todos têm restrição de água. Na margem oposta à de Maria está o Projeto Jaíba, um dos maiores empreendimentos irrigados da América Latina. Nos seus 25 mil hectares estão 2,1 mil produtores. O Jaíba já sofreu uma redução de 25% no fornecimento de água.
Lá Romeu Dias dos Santos, 58 anos, diz que, em último caso, seus limoeiros sobrevivem um ano sem água. “Não dão frutos, mas o pé fica”, diz, caminhando entre suas árvores ainda verdinhas. Dailton dos Santos Ferreira, gerente da Brasnica, a maior produtora de bananas do País, que abastece grandes redes como Pão de Açúcar e Walmart, não tem a mesma serenidade. “Tentamos perfurar seis poços artesianos, mas não fomos felizes: até o lençol freático caiu. Não temos mais o que fazer e se a água baixar mais, acabou.”
Afluentes. O volume de água de Pirapora a Jaíba é regulado pela vazão da represa da Hidrelétrica de Três Marias, que funciona como uma caixa d’água. Como o Estado mostrou na edição de domingo passado, o seu nível é crítico. A tendência é que a vazão seja reduzida.
Em outros tempos, o rio a partir dali era suprido por afluentes, mas até eles estão secando. No Rio das Velhas, há uma cena espantosa. Como a água está secando, uma dezena de barcos de um clube náutico está ancorada na areia. “Nem compensa tentar puxar agora porque não tem água para eles navegarem”, diz Luiz Pereira de Oliveira, 64 anos, caseiro do clube.
A seca no rio ainda complica a logística. Interrompeu o tráfego na hidrovia que seguia até a Bahia e agora paralisa balsas que interligam as margens direita e esquerda do rio.
Na sexta-feira, 10 de outubro, uma das balsas do Transporte Moura, na cidade de São Francisco, encalhou às 5h da manhã. Oito carros, uma moto e um caminhão baú passaram o dia sob o sol ardido. Detalhe: o caminhão estava vazio. Cruzava o rio para carregar 1,3 mil caixas de frutas colhidas na margem oposta. Os 25 passageiros insistiram em não abandonar os veículos. Na parte da manhã, o único resgatado foi Scooby, vira-lata que usa a balsa para a travessia. Foram necessárias 13 horas de trabalho e três escavadeiras para puxar a balsa por cabos de aço. No domingo passado, o serviço de translado foi suspenso.
Estadão
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