Hoje eu tive a honra de conhecer o senhor Domingos Barros da
Silva, e acreditem se quiser, ele conta com 103 anos de vida. Lá pras onze
horas da manhã o encontrei sentado em um banco bem em frente lá de casa, na Rua
Angélica Soares.
Chamou-me a atenção e me aproximei para conversar. Tava na
cara que daquela conversa nasceria uma excelente matéria para este blog. Bastante
lúcido e conversador, seu Domingos Esteves, como pediu para ser chamado, disse
que estava passando por ali naquela hora porque iria fazer uma visita ao seu
neto, que é casado com uma filha de Zé de Freitas, e que se sentiu um pouco
cansado e resolveu sentar. Aí contou um bocado de coisa.
Nasceu no sitio Pombinho, município de Diamante, mas que
morou em vários lugares, na procura de uma melhor oportunidade de vida, mesmo
tendo que se virar com o oficio da roça.
Há pouco tempo atrás, seu Raimundo passou uns dias morando no
sitio de Ranulfo Militão, do outro lado do rio, mas que não deu mais certo e
que voltou a morar em Diamante. Aqui em Boa Ventura, disse ele, eu conheço
muita gente.
Com uma memória de causar inveja a muita gente nova, ele
descreve de forma lúcida muita coisa que passou na vida, principalmente de uma
seca devastadora nos anos 40, acontecida aqui no sertão.
“Por volta de meio-dia, eu estava no mato seco à procura de
algum bicho pra comer. Não tinha achado nada, e o pior foi quando eu voltada
para casa. Encontrei um irmão meu morto, e outro já estava praticamente sem
vida também, por causa da fome”, recorda ele, que continua: “ Depois que
enterramos o que tinha falecido, eu coloquei o outro menino nas costas e fui
procurar por comida pra salvar aquela vida”.
Informaram que lá pra bandas de Maurity, no Ceará, tinha uma
parte de terra que tinha chovido e que talvez por lá ele encontrasse algum
pedaço de terra para trabalhar. “Andei muito a pé, com o menino quase morto nas
costas e quando por lá cheguei, me deram um pedacinho de terra e consegui
escapar com meu irmão”, relembra seu Domingos.
Porém, ele contou que no caminho até Maurity, a fome era
muito grande, mas que achou pelo caminho um ninho de fura barro, e tirou de lá
quatro filhotes do pássaro. “ Tinha uma casa por perto, pedi sal e uma senhora
negou, dizendo que sal era caro para dar, aí em outra casa arranjei. Matei os
bichinhos, preparei eles, arrumei um fogo e eu dei três filhotes prontos para
meu irmão comer e o outro eu comi”, contou, dizendo ainda que foi a sorte
deles, pois só comeu aquilo nessa viagem que demorou horas.
“Teve outra seca que agente só escapou por causa do “muculan”,
uma vargem que dá muito no mato e que agente tira para secar e depois faz o beiju”.
Muitas coisas ele me contou, que caberia em um livro com muitas paginas.
Contou-me que conheceu de pertinho, padre Cícero Romão Batista e frei Damião e
que o homem sem Deus nao é nada.
Nunca fumou e nem bebeu, e que se alimenta bem. Acorda cedo e
não fica em casa parado. Disse que trabalhou na roça até o ano passado, e que
só parou porque uma queda o impede de continuar arrancando toco e limpando o
mato para plantar. Até o coronel Zuza Lacerda ele disse que chegou a conhecer
de perto.
E conversou muito comigo, Chico Filho, que é comerciante no ramo de antenas parabólicas e também com algumas pessoas que se aproximaram.
Sempre simpático e brincalhão, ele não soltava a bengala da mão. Convidei-o para
almoçar e ele não rejeitou. Comeu, e muito educado agradeceu por tudo, e se foi
atrás da casa de seu neto, deixando pra nós essa história de sofrimento e luta
pela vida, mas de um exemplo de ser humano que não mede esforços para viver
honestamente e de bem com a consciência, por isso essa lucidez e saúde, de
corpo e de alma.
Massa, gostei muito da Historia...
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