O infarto do novo século
Problemas emocionais e ambientais, associados à predisposição genética,
são gatilhos para doenças cardíacas
Lívia Machado, iG São Paulo
Uma forte dor no coração, como se ele rasgasse por dentro, subitamente.
A frase parece apenas uma metáfora clichê, sempre acessível para descrever uma
mágoa profunda, mas não física. O coração partido, porém, no auge do século 21,
deixou de ser muleta dos sofredores e passou a fator de risco para problemas
cardíacos. Dor de amor também pode matar.
Depressão e
problemas emocionais, associados a uma predisposição genética, estão entre as
causas de infartos em
pacientes jovens, alerta Marcelo Ferraz Sampaio, cardiologista do Hospital
Oswaldo Cruz, chefe do Laboratório de Biologia Molecular do Instituto Dante
Pazzanese, em São Paulo e especialista no tema.
O médico revela que nos últimos anos, o índice de infartos atípicos no
setor de emergência do hospital foi surpreendentemente alto. Além do fator
numérico, os pacientes tinham características clínicas semelhantes: jovens, em
sua maioria mulheres, saudáveis, mas com incidentes cardíacos severos.
“Observávamos, ao fazer a identificação da artéria, que o coração tinha
infartado, mas não havia lesão. Começamos, então, a desvendar como essa artéria
poderia ter provocado a restrição de fluxo por mais de 20 minutos, sem ter nenhum
comprometimento.”
Ao confrontar os pacientes com pesquisas internacionais, o especialista
constatou que essas artérias sofrem um Sistema de Restrição Dinâmica ao Fluxo.
A consequência e o processo são semelhantes ao que ocorre em um infarto
tradicional, provocado pela conhecida lista de fatores de risco: obesidade,
diabetes, hipertensão e cigarro. Neste caso, no entanto, o gatilho é emocional.
Como ocorre
A passagem de sangue é obstruída não pelas placas de gordura, mas por um
estreitamento das paredes da artéria, responsável por interromper o fluxo. O
mesmo evento é diagnosticado em casos de overdose de drogas como cocaína e
crack, ou no uso de anabolizantes.
"Também é possível que as plaquetas do sangue fiquem como se fossem
'tresloucadas', interrompendo o fluxo subitamente, gerando os infartos.
Descobrimos que esses pacientes têm alteração da formação das plaquetas”,
explica o especialista.
Esse mesmo processo ocorre em pacientes com depressão. “A doença
emocional, em tese, não é fator de risco pra doença cardíaca, mas pode ser, em
determinadas circunstâncias, o fator principal”, endossa Sampaio.
O estresse da vida profissional e o excesso de responsabilidades, dentro
e fora de casa, somados aos conflitos e decepções pessoais, transformaram-se em
um coquetel venenoso para um coração normal, sem problema algum.
O fator genético
A literatura médica mundial aponta que 15% dos infartos sem os
fatores de risco tradicionais – cigarro, diabetes, obesidade e hipertensão –
foram desencadeados por processos que começaram no âmbito psicológico. A
matemática, porém, não é simplista e imediata. Para que o coração partido
ultrapasse a metáfora é preciso que exista uma série de combinações genéticas e
ambientais.
A analogia da chave e da fechadura é a maneira como Sampaio consegue
traduzir os preceitos da medicina genética a seus pacientes. Nas palavras do
médico, a predisposição dos genes nada mais é do que uma fechadura. “A porta
está fechada. A chave é o estresse emocional, e a fechadura sua carga genética.
Quando a chave certa encontra a porta certa, a doença aparece.”
O mapeamento genético, porém, não seria uma forma de prevenção. Embora o
Projeto Genoma tenha mapeado todos os genes que existem no organismo humano, a
medicina ainda não conseguiu antecipar quais combinações entre esses genes são
responsáveis por desencadear as mais variadas doenças. A única forma de
manter-se longe dos infartos, tradicionais ou atípicos, seria a manutenção da
saúde, tanto mental quanto física, defende o médico.
“Hoje os alimentos não são mais saudáveis, passam por agrotóxicos para
conservação. Não só comemos mal, como recebemos o alimento em pior estado. A
falta de tempo é desculpa para tudo. A pressão do dia a dia faz com que o
artifício de relaxamento e prazer seja uma comida calórica, gordurosa. O
chocolate nos dá o prazer que não temos no trabalho, na família, na relação
sexual. Esse comportamento social do mundo moderno gera pessoas mais expostas.
A experiência individual não serve apenas de alerta. Para contornar os
problemas emocionais, Iris trocou a lousa pelos pincéis – ministra aulas de
pintura em faiança para mais de 30 alunos, produz peças para venda e toca
o próprio ateliê. O coração bate devagar, quase ao som do new age, música fundo
de suas aulas, mas ela se define clinicamente como ótima: controla a alimentação
,
toma uma taça de vinho nos dias mais agradáveis, pratica
atividade física regularmente - uma caminhada leve de 60 minutos
- e aposta que ultrapassará a casa dos 100.
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Na receita médica, as indicações permanecem universais, e cabe a cada um
achar seu componente pessoal: alimentação
balanceada,
atividade física regular, lazer, tranquilidade e terapia – esvaziar a mente dos
problemas e não permitir que eles consumam o organismo – podem ajudar a blindar
o coração.
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